quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Retratos. Desinocência.

Os dias irresponsáveis haviam chegado ao fim. Foi isso que ela pensou ao encarar o próprio reflexo no espelho da penteadeira vitoriana. Seu rosto havia se tornado mais sério assim tão subitamente? Assim... tão adulto? Os olhos escuros que se encaravam haviam perdido algum brilho qualquer, que estava ligado à sua tenra mocidade. Os cabelos curtos, castanho-escuros, meio desalinhados haviam sido cortados rigidamente retos à linha do queixo, e embora normalmente cabelos curtos deixem o rosto mais jovial, indicavam, no caso dela, o total oposto. Os dias irresponsáveis haviam chegado ao fim. Era preciso apenas uma leve tensão para mostrar as linhas de estresse que haviam se formado em seu rosto ainda, ironicamente, jovem.

Ela, aquela pequena garota, assumia um cargo invejado, mas temido por qualquer um: gerenciar a família inteira. Se haviam prosperado por 400 anos é porque alguém, alguém sempre havia assumido a função de líder.
Dezoito anos e ela já estava preparada? Parecia pouco tempo, mas estava. A morte do próprio pai nas costas (ou seria melhor dizer mãos?) e o infortúnio do avô (preso e sem alma) haviam-na preparado. As duas figuras que até então lhe causaram mais medo não sobreviveram ao ímpeto dela. Era mesmo uma pena que as coisas tenham chegado a esse ponto, ela pensou ao deslizar os dedos numa escova ali por cima da superfície de madeira.

Liv.

2 comentários:

F.U.L.Ô. disse...

Estava com saudade dos teus textos.

O jeito que tu escreve faz a gente flutuar.

F.U.L.Ô. disse...

Lembrei do que esse texto me lembrou: uma pintura do Ray Caesar.